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A Partida: Rumo ao Interior Autêntico

Vivo em Cascais, a cerca de 25 minutos de Lisboa. Deixem-me reformular, para dar algum peso à decisão: AINDA vivo em Cascais. É um lugar que, teoricamente, é uma vila, mas na prática, essa ideia já se perdeu. 

O turismo a mais, o trânsito, a distância dos espaços verdes, os condomínios fechados… tudo o que define uma cidade está aqui.

Sempre vivi nesta quase cidade. Sou daquelas pessoas que reclama do trânsito, do mau-humor das pessoas e do ritmo frenético que nos suga a paciência. Mas a verdade é que, como muitos, continuo na cidade por inércia, adiando a mudança. Num dos dias em que a dor era mais aguda, ou talvez tenha assistido a uma briga no trânsito, comecei a pesquisar online por alternativas de vida. . 

Descobri a Rural Move. Depois, o encontro em Nelas. 

Olhei para o calendário com medo que o evento já tivesse decorrido, mas não, seria dali a duas semanas. Que coincidência! Uma oportunidade para “repensar o interior” de Portugal, um país menos acelerado e, quem sabe, mais autêntico. Alinho! 

Logo que comecei a planear a viagem, deparei-me com o desafio da mobilidade. Verifiquei as opções de transportes públicos, e a viagem de Cascais até Nelas levava cerca de cinco horas, com várias trocas entre comboios e autocarros. 

Este ponto, debatido na mesa redonda do 1.º evento da Rural Move, destacou a importância de investir em acessibilidade para que o interior seja verdadeiramente uma opção. Sem infraestruturas de mobilidade eficientes, muitos dos benefícios de uma vida mais tranquila ficam fora do alcance para quem vive em zonas urbanas.

Tendo optado pelo carro, na sexta-feira, um dia antes do evento, deixei o Ziggy (o meu cão) com a minha mãe e apanhei a autoestrada. Estava ansiosa. 

A certo ponto da viagem, já depois de duas horas a conduzir, percebi que estava rodeada de árvores, que o ar era mais fresco, e o verde preenchia a paisagem. 

Ao verde juntou-se o negro. Percebi também que só reconhecia esta zona pelas imagens dos incêndios que via na televisão… Em todo o caso, o contraste com a cidade já me fazia sentir que esta era a decisão certa. Sabem, em viagens a solo acabamos por ter tempo para duvidar ou confirmar as nossas escolhas. Coisas da mente.

Chegada a Nelas: Silêncio e Uma Camisola

Cheguei já de noite e fiquei numa casa de turismo rural, onde o silêncio era tão intenso. Mandei logo fotos e vídeos para a família e amigos – como quem diz “olhem só onde estou!” – tentando processar aquele cenário. Era como se tudo tivesse abrandado de repente.

A responsável pela gestão do alojamento mencionou que conhecia a Carlota, do projeto “Interiorizate”, e explicou-me que, tal como o Rural Move, o projeto tinha como objetivo atrair e acolher pessoas ao interior, sobretudo a Nelas.

No final do evento, acabei por comprar uma camisola do “Interiorizate” – como símbolo desta nova aventura. De regresso à cidade, visto a camisola agora enquanto escrevo, como se ela me lembrasse do desejo de redescobrir o interior.

Mas estou a adiantar-me. Vamos ao dia do evento. O mercado municipal ficava a 10 minutos do meu alojamento. O quê?! Não tenho de sair com meia hora de antecedência?! 

O Encontro: Pin no Mapa e Primeiras Conversas

Cheguei cedo ao Mercado Municipal de Nelas e senti logo aquela ansiedade de estar sozinha no meio de desconhecidos. O evento começava às 10h. 

Na entrada, deparei-me com uma exposição de projetos locais. Entre eles, conheci a Maria João, do projeto Ecologia Humana – focado na sustentabilidade e regeneração ambiental. Os vários stands à entrada eram pequenos em escala, mas imensos em ambição, mostrando como o interior se transforma com inovação e colaboração.

O João Almeida recebeu-me calorosamente, apesar de nunca me ter visto na sua vida e, naturalmente, como alguém que tem um evento a cargo, despachou-me logo para o mapa na parede onde cada pessoa marcava a sua origem. 

O território do mapa estava deserto de pins no início. Mas no final, e em sentido contrário, a densidade de pins era maior noutras zonas do país do que nos centros urbanos de onde vinha. 

Olhei em volta, reparei em tantos outros – Porto, Braga, Trás-os-Montes, Coimbra. Senti-me pequena, mas, ao mesmo tempo, parte de algo maior. Ali, estavam pessoas de todo o país com uma curiosidade partilhada.

Apresentação dos Projetos: Uma Diversidade Inspiradora

O João, presidente da Direção do Rural Move, deu início ao evento, acolhendo-nos com uma energia descontraída e autêntica. Claramente, ele é uma atração e as pessoas reconhecem algo nele. 

Um após o outro, os projetos foram sendo apresentados num estilo que me lembrou o “Shark Tank”, cada um com a sua missão, cada um com uma abordagem inovadora ao desenvolvimento rural.

A Escola Agrária de Viseu, por exemplo, promove formação prática para desenvolver competências rurais com foco na sustentabilidade. Houve projetos de revitalização de aldeias com poucos habitantes, procurando atrair novos residentes e rejuvenescer estas comunidades. O Projeto Guarda-Rios, espaços de coworking e até a aplicação da inteligência artificial nas tarefas agrícolas mostravam um rural longe de estereótipos. Com cada apresentação, ficava mais claro que o interior não é um espaço parado no tempo; é um lugar onde novas ideias ganham vida.

Dinâmicas e Conversas: Conhecer Gente Nova… e Enfrentar o Desconhecido

Num dos momentos da manhã, formámos um círculo duplo para interagir com desconhecidos – uma dinâmica simples, mas eficaz. Durante cinco minutos, falei com pessoas que nunca tinha visto, e depois o círculo de dentro movia-se, permitindo que conhecesse outra pessoa. Esta atividade ajudou a dissolver a estranheza inicial, tornando as interações mais naturais. 

Um Almoço Inesquecível: Histórias e Reflexões

No almoço colaborativo, sentei-me ao lado de uma rapariga, a Inês, que restaurou a casa da avó em Soure, Coimbra, transformando-a na Quinta da Carvalheira, um centro de aprendizagem e regeneração. Ali estava eu, a ouvir sobre um Portugal que desconhecia – um Portugal que muitos de nós ignoramos em troca das cidades. E isso fez-me questionar o que estamos a perder.

Numa era em que tantos preferem apartamentos de cimento, ali estava alguém que escolheu reerguer as raízes da família. Foi inspirador ouvir estas histórias e perceber o quanto o interior tem para oferecer. E não fui só eu. Escutava o burburinho que vinha de todas as conversas que acompanharam a refeição, um almoço colaborativo. A ementa foi um rancho tradicional e outro vegetariano (felizmente!). 

Mesa Redonda: O Futuro da Nova Ruralidade

À tarde, uma mesa redonda reuniu oradores de várias áreas para debater o futuro das regiões rurais. Moderada por Fernando Belezas, da MAG da Rural Move, e contando com nomes como Clara de Sousa Alves, deputada da Assembleia da República, e Carlota Marques, presidente do “Interiorizate”, a discussão focou-se na sustentabilidade e na inclusão. Foi apresentado o Plano Estratégico da Rural Move para 2030, que coloca o Rural Move como ponto de encontro da nova ruralidade, sustentado pela Aliança Rural.

O evento terminou com a participação do presidente da Câmara Municipal de Nelas, a que se seguiu um momento simbólico: o 4.º aniversário do projeto, celebrado com bolo e champanhe.

Um Convite a Redescobrir o Interior

Se chegaste até aqui, talvez também estejas um pouco cansado(a) da cidade, do ruído e do constante “vai e vem”. Para não falar do custo de vida, começando pelo teto que nos cobre.

O que descobri no evento do Rural Move é que o interior de Portugal tem uma vitalidade que merece ser vivida. Talvez seja a hora de expandirmos a nossa visão e explorarmos esta “nova ruralidade”. Porque o interior não é apenas o “resto do país”; é uma parte viva, pulsante, que, tal como nós, está em movimento.


Autor:
Rita Varandas vive em Cascais (ainda!) e juntou-se à Rural Move com o objectivo de conhecer novas localidades e pessoas. É atualmente a Gestora de Conteúdos da Rural Move.

Rita Varandas

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